Sumário
Dia 21 de janeiro é celebrado o Dia do Combate à Intolerância Religiosa, uma data importante que visa dar visibilidade à luta pelo respeito a todas as religiões. Convidamos André Rodrigues Santos, professor e coordenador do curso de Direito da Univale, para falar sobre o assunto. O professor é mestre em Ciências das Religiões na Esfera Pública e Direitos Fundamentais.
A intolerância se manifesta de diversas maneiras na sociedade, podendo ser de ordem política, econômica, racial, de gênero ou religiosa. Nem sempre é tarefa fácil compreendê-la, visto que a postura de não tolerar o que é diferente pode partir tanto de um indivíduo quanto de um grupo, sendo a intolerância calcada na premissa de que existe uma única ideia e/ou valor, podendo ser justificada por determinada ideologia e rejeitando, assim, a realidade do outro. Com essa rejeição, acontece um exílio da alteridade, ou seja, um enfraquecimento da relação eu-outro ao negar a diferença, ao considerá-la imprópria e ameaçadora.
Neste tocante, a intolerância, culturalmente, esteve presente e desencadeou grandes tragédias mundiais. Dessa forma, as culturas pré-colombianas foram banidas bem como, deu-se origem ao período da inquisição, conhecido, sobretudo, pela caça às bruxas. Posteriormente, em outro momento histórico, a intolerância fez com que, também, as nações construíssem um sistema de apartheid bem como motivaram a organização de campos de concentração. Tais fenômenos fizeram com que a humanidade tenha consolidado a sua identidade a partir de manifestações bárbaras que resultaram, em muitas das vezes, em vastos massacres e extermínios de populações diversas.
A intolerância religiosa no Brasil é uma prática frequente desde a chegada dos portugueses ao país. Esses trouxeram, consigo, o catolicismo, e, dessa forma, não se aceitava as práticas religiosas não-cristãs. Nesse período, as crenças indígenas eram vistas como maléficas. Na escravidão, as mesmas práticas discriminatórias se repetiram, pois, para livrar-se das perseguições de seus senhores e do clero, os negros faziam uso das imagens dos santos do catolicismo romano em suas cerimônias, quando na verdade estavam cultuando seus orixás. É um povo que sofre, até hoje, perseguições devido à intolerância, pois, historicamente, é uma religião considerada como “demoníaca”. Era comum que esses praticantes de religiões não-cristãs se escondessem ou tolerassem as invasões e penas de prisão por estarem reunidos em suas cerimônias religiosas.
O Brasil é um país que, historicamente, sempre se constituiu e formou a sua identidade em meio à diversidade, assim, este assunto é algo que toma forma nas mais diversas dimensões dos estudos que se preocupam com a temática religiosa, pois a diversidade também se manifesta neste domínio.
É nesse contexto que surgem as políticas relacionadas com a diversidade, pois defende-se a necessidade de um Estado que formule, crie e promova experiências culturais condizentes com o contexto em que se vive, ou seja, é preciso estar atento às mudanças.
Nesse sentido, discutir sobre a diversidade cultural significa assumir um posicionamento que não vai de encontro à ideologia dominante, pois essa dominação faz com que a intolerância se instaure, assim, frequentemente, a diversidade religiosa acaba sendo marginalizada, pois correntes mais tradicionais acabam por construir uma imagem negativa, sobretudo das religiões não tão canônicas, como as de origem africana, por exemplo. Religiões católicas-romanas, como o catolicismo e o protestantismo, foram responsáveis pela consolidação de ideias negativas sobre as práticas religiosas que fugiam do que considerava como adequado.
Desde o início das práticas religiosas de matriz africana no Brasil, a intolerância toma forma em grandes proporções, uma vez que promove uma imagem negativa de tal prática, isto porque a matriz judaico-cristã vem dificultando a construção de uma cultura que respeite, efetivamente, as diferenças, sobretudo no âmbito religioso. Dessa forma, devido à ação da matriz judaico-cristã no país, a cultura africana tem sido invisibilizada há muito tempo. Assim, devido à construção negativa por parte do cristianismo acerca das religiões africanas, o fenômeno da intolerância tem se manifestado, expressivamente, em religiões praticadas pelos povos historicamente oprimidos (caso dos negros e asiáticos, por exemplo). Assim, muitos estudos defendem o reconhecimento das religiões afrodescendentes como patrimônio imaterial, cultural e religioso brasileiro.
Recuperar tais fatos é importante, pois, a Constituição Federal de 1988 é um marco fundamental para que as práticas intolerantes sejam combatidas. Garante, por exemplo, a laicidade e o direito a manifestar qualquer religião nos espaços públicos. A discriminação religiosa é um crime previsto pela lei. Nesse sentido, é fato que a liberdade de religião é um direito humano a ser garantido e resguardado pela lei, sobretudo o direito de celebrar em espaços públicos a religião. Uma vez que o Estado garante a adesão do indivíduo a qualquer manifestação religiosa preservando, portanto, o direito à mudança de crença e a descrença, e deve ser assegurado o direito ao livre exercício dos cultos religiosos.
No campo das Ciências das Religiões, para que o problema da intolerância religiosa seja progressivamente solucionado, o diálogo inter-religioso é um ponto de partida, que tem como base o respeito à alteridade.
No entanto, não é fácil modificar um padrão de pensamento, principalmente se existe uma concordância coletiva sobre determinado assunto. A proposta do diálogo inter-religioso não é tarefa fácil, pois implica abrir brechas às verdades tidas como absolutas para vislumbrar o que o outro assume como verdade. Esse processo pode causar insegurança, já que o indivíduo está inserindo o outro em seu mundo e, ao mesmo tempo, tenta compreender o mundo do outro.
O diálogo inter-religioso baseia-se em eixos centrais, dentre eles a “consciência da humildade”. Em outras palavras, é preciso acolher o pensamento do outro com respeito, por mais díspar que ele seja do seu próprio, e isso só pode acontecer ao se assumir que os valores que permeiam a consciência humana são múltiplos. Outro eixo, é o do “respeito à alteridade”, em que é preciso estreitar a relação eu-outro, mas também aperfeiçoar a relação do indivíduo consigo mesmo, reconhecendo-se como ser plural e conhecedor de sua própria comunidade de fé.
A abertura ao outro é um caminho que conduz à tolerância, um acordo que permite aprender e ensinar sem impor ou perder valores, o que justifica o eixo da fidelidade à própria tradição.
Portanto, estabelecer um diálogo inter-religioso passa a ser um compromisso social. Para promovê-lo, é interessante valer-se de outras instituições da sociedade, como a escola. A disciplina de Ensino Religioso pode ser uma ferramenta útil para promover, por exemplo, uma educação mais inclusiva e o debate sobre as consequências da postura intolerante para o país.
Na escola, ambiente também plural, que abriga diversas etnias, crenças, cores e gêneros, os profissionais da educação encontram dificuldade para lidar com tamanha diversidade e manter a tolerância e organização de alunos. Além disso, há a questão dos currículos, que adentram em discussões políticas.
Nessa perspectiva, compreende-se a importância de abordar na escola as pluralidades da sociedade, suas diversidades, conhecimentos esses que são mais palpáveis para os estudantes do que apenas a transmissão de conteúdos sistematizados, já que compreendem sua vivência. Dessa forma, entende-se que apesar de a escola brasileira atuar como um espaço onde culturas diferentes tomam forma, acabam sendo invisibilizadas pelo sistema escolar. Assim, revela-se como urgente a transformação do conteúdo educacional para que essas vozes não sejam apagadas. Torna-se, nessa perspectiva, necessário “problematizar a ideia de que existe uma humanidade universal, pois tal afirmação anula o princípio da diversidade cultural”.
A escola pode ser o local em que é contada a história de grupos silenciados, promovendo o debate, ou seja, o diálogo para compreender o outro e a si mesmo, semeando a tolerância nos jovens. As religiões africanas, tão apagadas na sociedade como um todo, devem ganhar espaço em currículos inclusivos, de forma a tornar mais acessível o conhecimento da história do país e não privilegiar apenas a cultura europeia, que ainda é muito valorizada em detrimento à cultura dos negros e que acaba por gerar um sentimento de inferioridade e desvalorização com nossa própria cultura.
O curso de Direito da Univale vem promovendo o diálogo inter-religioso através do projeto de extensão “Direitos Fundamentais na Escola” que consiste em uma intervenção diferente e dinâmica sobre Direitos Fundamentais e Liberdade Religiosa ministrada pelos próprios alunos do curso de Direito, conforme os ensinamentos de sala aula. Durante esta atividade, os acadêmicos utilizam de estratégias diferenciadas para despertar a atenção dos discentes do ensino médio sempre ligadas ao tema central, tais como: teatro, música, paródia, poesia, stand up, artes circenses, coreografias, jogral, etc. Em seguida é utilizada uma dinâmica dialógica estabelecendo uma relação de troca de saberes. E no final são distribuídos livros, constituições, cartilhas de conscientização atinentes aos direitos fundamentais especificamente no combate à intolerância religiosa.
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