Por: Natalia Lima Amaral
O 21º Simpósio de Pesquisa da UNIVALE aconteceu durante os dias 21 e 22 de setembro, reunindo trabalhos acadêmicos de alunos, professores, colaboradores e membros da comunidade interessados no fazer científico. Ao todo foram mais de 500 produções aprovadas em diversas áreas do conhecimento, com o principal objetivo de devolver à sociedade os avanços científicos. Entre os resumos apresentados, um aluno do curso de Jornalismo, Arthur Honorato de Almeida, apresentou a pesquisa “Orientalismo e blockbuster jornalístico: a narrativa da guerra Palestina versus Israel no Portal G1”, um recorte do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com uma temática extremamente relevante e atual, envolvendo os conflitos entre Israel e Palestina.
O estudante conta que a motivação para escrever sobre o tema partiu de um estudo feito por Isabelle Castro, na Universidade de São Paulo (USP), em 2007, que analisou como os jornais “Folha de São Paulo” e “O Estado de São Paulo” cobriram assuntos relacionados a árabes e muçulmanos seis meses antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 e seis meses depois. “As conclusões que Isabelle teve em sua pesquisa foram de que a mídia brasileira reproduzia discursos orientalistas da grande mídia internacional e reforçava estereótipos racistas relacionados a árabes e muçulmanos. E a partir daí eu busquei saber se, mais de 20 anos depois, a mídia brasileira ainda seguia nessa postura orientalista”, explicou.
Além disso, o estudante de Jornalismo buscou entender como essa abordagem interferiu nas imagens construídas na mente dos brasileiros em relação aos povos árabes-palestinos, por meio de um recorte de materiais de agosto de 2022, do G1 e do Brasil de Fato. “Pude perceber que as matérias do G1 reforçam a ideia de que grupos militantes da Palestina são violentos, visto que dão ênfase às ações negativas do Hamas e da Jihad Islâmica. Associar tanto palavras como episódios violentos a árabes e muçulmanos se encaixa no terceiro sentido do Orientalismo descrito por Edward W. Said (2007), o do discurso”, explicou Arthur.
Arthur também comentou que o portal estabelece um jogo de sentidos opostos quando coloca fontes israelenses para contestar fontes palestinas de forma indireta, por meio da cronologia do texto. “É o que Said (2007) caracteriza, apropriando-se de Foucault, de conhecimento para justificar e assegurar o poder. O conhecimento se remete à difusão da ideia de que árabes e muçulmanos são violentos, o que justifica posições contrárias de outros governos. A cobertura do G1 não é orientalista por denunciar os atos violentos do Hamas ou da Jihad Islâmica, mas sim por não denunciar, também, os atos violentos de Israel e também por não dar um contexto histórico de um conflito que existe desde 1948", conceituou.
A partir dos estudos feitos para realizar o seu TCC, Arthur comentou sobre algumas semelhanças existentes na narrativa construída em 2022 e na atual cobertura dos conflitos entre Israel e Palestina. “Posso dizer que, infelizmente, a cobertura atual está muito pior do que a de agosto do ano passado. A mídia tradicional abraçou a ideia de que o Hamas é a representação da Palestina e de que eles são completamente capazes de guerrear com uma das maiores potências bélicas do mundo (Israel), e, pra piorar, agem como se isso justificasse a morte de milhares de civis palestinos da Faixa de Gaza”, explicou.
O estudante comentou um exemplo de cobertura da GloboNews, que vem sendo criticada pela mídia alternativa e por ativistas pró-palestina. “O veículo tem se destacado pela veiculação reiterada de comentários lamentáveis em relação ao povo palestino, entrevistando fundamentalistas cristãos, como o pastor Felippe Valadão, investigado pelo Ministério Público do Rio por ataques a religiões de matriz africana. Além disso, comentaristas da GloboNews, como Jorge Pontual e Guga Chacra também fizeram comentários que desumanizam civis palestinos e deram a entender que as vidas israelenses têm um valor relativo maior”, disse.
O The Intercept Brasil, uma agência de notícias de jornalistas independentes, criou um abaixo-assinado conclamando que a mídia brasileira reconsidere sua legitimação editorial ao que observadores internacionais neutros afirmam ser crimes contra a humanidade perpetrados pelo governo de Israel.
“Também vemos como essas coberturas não trazem a perspectiva do povo palestino. O internacionalista Thiago Ávila fez uma análise da reportagem do Fantástico sobre o conflito entre Israel e Palestina e verificou que nem 10% da cobertura trazia a visão dos palestinos em Gaza e que mais de 60% do tempo foi dedicado a visão do povo de Israel e seus apoiadores, tendo também mais tempo dedicado à análise a partir de uma perspectiva do governo dos EUA do que dos governos Israelenses/Palestinos”, explicou Arthur.
Um ponto extremamente necessário e indispensável para ser analisado é o combate às fakes news, que garantem a checagem dos fatos referentes ao conflito entre Israel e Palestina. “Na edição do dia 17 de outubro deste ano, o Jornal Nacional exibiu um vídeo sobre o bombardeio ao Hospital Batista em Gaza, que foi publicado pela conta oficial de Israel. Após um tempo, a conta apagou a postagem por ser falsa. Ou seja, muitos desses detalhes envolvendo o orientalismo nas coberturas midiáticas passam despercebidos por leitores e jornalistas que não conhecem a fundo sobre o assunto”, explicou Arthur
Afinal, o que é necessário para realizar uma cobertura midiática a respeito dos conflitos entre Israel e Palestina?
Arthur explica que para evitar erros como os citados acima, estudar a história desde a divisão do território da Palestina, em 1948, é um primeiro passo básico. “Outro ponto importante a ser destacado é que muitos jornalistas precisam parar de tratar árabes, muçulmanos e palestinos como uma coisa só. O Oriente Médio possui uma pluralidade étnica e cultural riquíssima e tratar isso como algo homogêneo é pura ignorância e orientalismo. Assim como acreditar que as ações do Hamas representam o povo palestino. Por fim, e não menos importante, é preciso dar visibilidade ao povo palestino, escutar suas dores e vivências, mostrar sua perspectiva”, destacou.
O estudante também destaca que a perspectiva dos palestinos está sendo mostrada por outros profissionais em suas redes sociais, como jornalistas e fotógrafos que estão presos na Faixa de Gaza. “O fotojornalista Motaz Azaiza, por exemplo, tem feito um trabalho excepcional na cobertura em tempo real das consequências do conflito na vida dos palestinos da Faixa de Gaza. Conteúdos como esses e de outros jornalistas palestinos são divulgados e repassados por perfis de mídias alternativas e por ativistas pró-palestina na internet, no Brasil e no Mundo todo. Perfis esses que vêm tentando fazer uma espécie de ‘descolonização’ midiática em relação aos mitos e verdades sobre os conflitos entre Israel e Palestina”, comentou.
As pesquisas científicas desempenham um papel extremamente relevante ao apontar e observar o mundo e a maneira que as pessoas o enxergam. A professora doutora dos cursos de comunicação da UNIVALE, Deborah Vieira, foi orientadora no TCC do Arthur e contou sobre a importância do trabalho desenvolvido por ele. “É possível notarmos uma falta de trabalhos que avaliem essa questão do orientalismo, da representação da mídia ocidental sobre o oriente. E essa pesquisa tem a relevância de trazer um objeto pouco investigado e que, de certa forma, nós conhecemos por meio das informações que recebemos pela comunicação, uma vez que não vamos até o oriente”, comentou.
A professora também aponta que essas informações muitas vezes estão ligadas a questões de poder, questões econômicas e questões políticas. “O trabalho do Arthur vem nos mostrar de que forma essas construções estão sendo feitas pela mídia ocidental e de que forma ela constrói esse imaginário social, que eu acredito que é a maior coisa. Orientar o Arthur foi maravilhoso, fantástico, pois ele já tem uma coisa que chamamos de veia do pesquisador. Pude compreender mais sobre os conceitos, sobre a questão geopolítica dos conflitos entre Israel e Palestina, e eu acredito que foi um ganho muito grande porque hoje eu vejo as matérias sobre aquela região com outro olhar, com uma base mais científica e teórica mais consolidada”, destacou.
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